terça-feira, 27 de março de 2018

Diário de um grevista


Terça-Feira, vinte e sete de Março de dois mil e dezoito. Às onze e meia estou sentado no banco do trem sentido Luz, no estomago a sensação de que algo não está certo, ansiedade e insegurança sentam-se ao meu lado e brindam minha aflição. Não foi assim desde o início, na verdade, há duas semanas tudo estava diferente.
Quando a greve iniciou havia empolgação, juventude dos primeiros dias de movimento, a novidade é empolgante e nos faz sentir escritores da própria história. O encontro com amigos de outros tempos e lugares trás força e aumenta a motivação: “Em frente, À luta”, faz parte do DNA do explorado a resistência, por vezes, falta apenas à fagulha, e acenderam. Acenderam, agredindo com bombas, gás e palavras, humilharam aqueles que lutavam. No dia seguinte éramos muito mais.
Neste momento a família apóia, os amigos demonstram orgulho e você segue. Vem sol, vem chuva e vem muita chuva, passeatas, boatos, noticias verdadeiras e falsas, o Governo não recua/ou recua?, desinformação nos grupos, a imprensa divulga e a imprensa omite, a imprensa mente, mas você segue.
Na segunda semana você descobre que vários colegas já ligaram no local de trabalho e estão inclinados a desistir, os amigos já mudaram o tom e perguntam: “Essa Greve não vai acabar não?”. A família já inicia as cobranças: “Você tem que ir de novo?”, “Mas fulano vai? E Beltrano? Só você que vai em todas?”, “E como vai ficar esses dias?”. Aí amigo você começa a questionar, faz contas e percebe que seu recesso já se escafedeu, um desconto dos dias parados seria desastroso para sua organização pessoal e você começa a duvidar da possibilidade da vitória e considerar se as “alterações” propostas não atenuam a maldade que querem lhe aplicar, o cansaço bate forte. Fazer greve é um caminho extremamente solitário por mais companheiros que tenhamos ao lado.
Até que chega vinte sete de março... Desembarco no Anhangabaú e os movimentos das pessoas vão espantando a desesperança, são milhares mais uma vez, já é uma da tarde e as representações sindicais falam do alto dos caminhões, “a votação começa as três” e você fica, acredita, canta e esquece o medo por alguns momentos, a sessão foi cancelada e “agora é as seis”, se precisar ficar até a meia noite vamos ficar e amanha tem mais”. Você não é mais uma pessoa, é uma força indo em frente, não resta muita esperança nem medo, apenas a resistência, não dobrar os joelhos se torna a meta final. As dezoito é anunciada uma vitória parcial e você fica inerte e depois comemora, meio sem jeito.
Mas dessa vez percebe que vai poder levar algo pra casa alem do seu orgulho, uma vitória!
Talvez o final pudesse ter sido diferente, pois numa luta desigual nem sempre vencemos, mas o importante de verdade é que haveria a dignidade da luta, como houve. Chego cansado, mas feliz, pois no eco de mais de cem mil vozes eu fui um tom a mais.