domingo, 16 de novembro de 2014

O trabalho infantil nas creches do Brasil


     Por mais um ano consecutivo a Prefeitura de São Paulo garantiu o atendimento ininterrupto nos CEIs (Centros de Educação Infantil), para crianças de zero a quatro anos que estejam regularmente matriculadas e cujos pais optarem pelo atendimento sequenciado (PORTARIA Nº 6.501/2014 DE 14/11/2014). Segundo o texto desta portaria estamos “considerando, ainda, que a mesma legislação e as normas reconhecem que muitas famílias podem necessitar de atendimento ininterrupto de suas crianças” desde que “essa demanda, quando comprovada, deve ser atendida”. Ou seja, as famílias que mediante algumas especificações se provarem trabalhadoras ou impossibilitadas de estar com seus filhos, podem sim, exigir que eles frequentem as creches públicas 12 meses por ano, sem férias.
     Observando esse quadro podemos fazer algumas analogias. Estive relendo alguns materias e lendo outros para subsidiar este texto e olha o que encontrei em um artigo do site mundoeducacao.com em relação ao trabalho infantil durante a revoluçao industrial (antes das leis trabalhistas burguesas): A vida nas cidades alterou completamente esse panorama das relações de trabalho familiares. Ao passar o dia nas fábricas, os pais perderam o convívio com seus filhos (...)  as crianças, além de perderem o contato com a natureza e se depararem com um cenário urbano que se diferenciava da paisagem natural das zonas rurais, também foram atingidas pelas transformações nas relações de trabalho”.
     Cenário parecido ao atual e se levarmos em consideração que neste período as crianças passavam os dias nas fábricas, ocupadas em afazeres considerados menos importantes (não menos perigosos) e hoje passam os dias em instituições de ensino, a história não é muito diferente, nossa relação com as crianças seguem sendo regidas pelos interesses do mercado. Porém, naquele período não existiam duas instituições que hoje deveriam reger a nossa relação com as crianças e o trabalho. A primeira é a noção e o conhecimento de infância que temos hoje, a segunda são as leis que regem o trabalho, que deveriam garantir um mínimo convívio familiar para pais e filhos.
     Observar esse cenário pela ótica das crianças chega a ser cruel. Uma vez que a média diária de um aluno na escola de educação infantil (creche) é de dez horas diárias (das sete as dezessete) de segunda a sexta feira, isso resulta numa jornada semanal de cinquenta horas, enquanto um trabalhador sob as leis do ministério do trabalho é de no máximo oito horas diárias mais quatro adicionais, ou seja, quarenta e quatro horas semanais. Também é garantido aos trabalhadores o direito a férias remuneradas, décimo terceiro salário, vale alimentação e horário de almoço, entre outros. Sabemos que na pratica alguns desses direitos se perdem, mas há um estatuto de proteção ao menos.
     Então a questão que grita é “Quais são os direitos das crianças que frequentam creches?”, existe grande abismo entre os pequenos enfurnados nas carvoarias ou pedreiras e aquelas submetidas a regimes diários em instituições governamentais doze meses por ano? Aqueles que convivem com a rotina diária percebem o stress e angustias que afligem bebês e crianças, pois por melhores preparados e intencionados que estejam professores e unidades escolares, a ausência crescente do convívio familiar abre uma lacuna de afetividade que interfere diretamente na formação destas subjetividades. A instituição não é o lar, não tem potencial familiar e muito menos o aconchego dos responsáveis, da família, seja esta como for.
     Enfim, demos mais um passo atrás em relação a nossa infância, observando que esta Portaria do município de São Paulo não está na contramão da tendência atual, pelo contrário, segue a lógica da regressão da educação infantil para serviço social. Poderíamos estar pensando em formas de garantir que pais e filhos compartilhassem períodos concomitantes de descanso, mas preferimos repetir nossos erros históricos. Uma pena, pois hoje eles perderam suas férias, amanha perdem os feriados, os finais de semana, e sabe se mais o que. Esta é a rotina dessas crianças com jornada de trabalhadores sem direitos, sem voz para se defenderem e sem direitos constitucionais... Que frutos essa geração de filhos do estado nos dará?

Pai de Clarice



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