domingo, 9 de agosto de 2015

Pai, amor que doí!

     É estranho, mas o Amor, considerado o mais sublimes entre os sentimentos, geralmente é associado a sensações bucólicas. Trata-se de um sentimento amplo, mas simples. Poderoso, mas altruísta. Gratuito, mas incomprável e etc, etc, etc. Porém, quase nunca ouvimos falar do amor como causador de dor, às vezes sua não correspondência atinja algum nível de frustração, no máximo, mas doer é atributo de outros sentimentos.
Discordo totalmente, pois creio que em alguns graus de elevação ou modalidade o amor pode ser totalmente doloroso, até fisicamente. Não sei dizer o motivo certo, mas o amor que carrego por mau pai tem um quê de dor inexplicável e antes que o leitor pense que isto está ligado a alguma sensação de abandono, violência, desrespeito, sei lá, já adianto que papai é e foi um titânico em amor e cuidados comigo.
     Pra não cansar a ninguém, pois a maiorias de nós tem ou tiveram pais e seus perfis são parecidos em vários aspectos, preciso explanar um pouco o meu:
     Papai é um moreno as seis da tarde que ficou órfão de mãe cedo. Teve de aprender nas vilas de casas a guardar um pouco do frango de hoje pro almoço de amanhã. Teve pouca oportunidade de estudo, cursou até o quarto ano, sendo sempre um destaque positivo e ambidestro das escolas que frequentou na Vila Matilde. Cedo começou a trabalhar e encontrou a profissão na funilaria, ramo que exerce até hoje. Também cedo se casou com mamãe, tendo um pouco mais que alguns pratos como mobília. Até que eu nascesse vieram três irmãs, o que pesou no bolso daquele brasileiro que pagava pontualmente seu aluguel, pelo que sei isso alterou seu humor por algum período. Pouco depois deu nascer, logo nossa casa ficou pronta e papai foi com os anos se tornando mais pacato e até resignado. Quem o conhece hoje em dia inevitavelmente acaba repetindo as expressões: Como seu pai é tranqüilo, ele quase não fala, ele é na dele, etc.
     Às vezes tento explicar a dor que me aperta e até me molha os olhos sempre que penso nele por algum viés racional. Lembro que me tortura a ideia de pensar que mesmo após mais de trinta e poucos anos em um trabalho pesado e doloroso ainda não tenha conseguido se aposentar, e eu como filho não poder arcar com suas custas para vê-lo descansar. Ou talvez, por puro saudosismo de uma infância passada, ou de alguma forma querer recompensar sua história de luta... Não sei. Mas acho que não é tão lógico assim esse amor homérico que carrego por esse homem.
     O fato é que pensar em meu pai dói o peito duma forma que jamais outra pessoa causou esse sentimento. Acho que tenho em meu velho um ídolo de infância, que com os anos foi se tornando cada dia mais mortal e humano, meu Deus! Talvez a simples ideia subjetiva de que um dia posso não estar assistindo os jogos da rodada ao lado do melhor amigo que a vida pode me ofertar seja insuportavelmente dolorosa. Como se sentisse saudade de alguém presente, vai entender. Acho que nessa questão vou ter de apelar ao meu pai.


- Pai, porque que amor dói?

Pai de Clarice


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